domingo, 10 de agosto de 2014

Cada ramo, cada folha


Autoria de Giovanna Artigiani





            Timidamente, Vitor batia na porta de Takane. O que ele buscava ali era muito simples: queria aprender a fazer bonsais e sabia que Takane fazia isso. Pediria que ele lhe desse aulas, perguntaria o valor e combinaria os horários.
            Takane, lá do fundo do galpão, interrompeu sua atividade e chegou mais perto de Vitor, cumprimentando-o com um gesto de cabeça. Vitor expôs as suas ideias objetivamente. Takane escutou e lhe disse “Me acompanhe”. Andaram pelo galpão em silêncio, observando as árvores. Depois, Takane levou Vitor a um canto, onde havia mudas, e lhe disse que escolhesse uma para iniciar o cultivo do seu primeiro bonsai. Vitor escolheu uma rosqueira e Takane escolheu uma figueira.
            – Essas duas árvores ficarão juntas aqui nesta estante. Cada vez que você vier, trabalharemos no cultivo de bonsais com elas – e Takane despediu-se com um gesto de cabeça.
            Vitor entendeu que era o fim da aula. Pensou que aquele encontro fora pouco objetivo. Voltou a dali dois dias; sobrou meia hora no intervalo do almoço e ele resolveu passar no galpão, essa era a verdade.
            Ele entrou e foi até Takane, que lhe sorriu e se dirigiu à estante, onde seus bonsais esperavam pacientes. Cada um pegou a sua árvore e as levaram à bancada; Vitor observava Takane e tentava lhe imitar. Pegaram vasos rasos, cortaram as raízes um pouco e plantaram as árvores com as pontas dos dedos. Colocaram um pouco de água, bem pouco. Takane voltava com a sua árvore para a estante e Vitor entendeu que deveria fazer o mesmo. Era o fim da aula de novo.
            Vitor voltou mais duas vezes, e era sempre bem recebido. Parecia que Takane o estava esperando. Sempre que ele chegava, Takane de imediato interrompia o que estava fazendo para trabalharem juntos nos bonsais, como se ele estivesse completamente desocupado, mas na verdade Vitor via que ele sempre estava fazendo alguma coisa, que interrompia para lhe dar atenção. Pensou bastante se alguma vez em sua vida tinha recebido a visita inesperada de um amigo em seu escritório. Seus amigos nunca o visitariam lá, pois sabiam que ele jamais interromperia suas atividades para conversar com quem quer que fosse. Seus amigos mais íntimos marcavam horário, ligavam antes de ir, perguntavam se podiam entrar. Que coisa!
            Vitor então decidiu que na próxima visita ao galpão de Takane seria objetivo e perguntaria se poderiam combinar um horário para as aulas. Ele fez isso; Takane sorriu e respondeu objetivamente também:
– Este é o meu trabalho. Você vem, se eu estiver aqui, trabalhamos juntos pelo tempo necessário.
            Vitor gostava da companhia de Takane, tentou inclusive conversar com ele, como coisa que fazem os amigos. Por uma ou duas vezes tentou iniciar um assunto do tipo “Você assistiu o jogo ontem?” ou “Tem feito muito calor, não acha?” Mas Takane respondia sim ou não e o assunto morria outra vez. Vitor às vezes falava algo sozinho, contava algo do seu cotidiano, mas já não esperava mais a interlocução do amigo. Um dia, Takane falou a Vitor:
– Observe uma floresta. Tudo nela está crescendo e não há barulho o tempo todo, somente sons esparsos, necessários.
            Vitor passou, depois disso, a adotar outra postura: quando um assunto lhe viesse à cabeça, ele refletiria se era importante falar aquilo. Se não fosse algo absolutamente necessário para dividir, ele simplesmente esperava a vontade de falar passar. Muitos encontros se passaram em que ele notou que nenhuma palavra havia sido dita, mas os bonsais e aquela relação de amizade continuavam, sem nenhuma dúvida, a crescer.
            Vitor precisou muito, um dia, dizer a Takane que queria pagar pelas aulas. Takane sorriu e respondeu:
– Eu não dou aulas de cultivo de bonsais, não há nenhuma placa anunciando isso na frente do galpão.
– Mas você dá aulas para mim, Takane!
– Não sou eu que ensino, é você que aprende. Quando você vem, trabalhamos juntos, observando nossas árvores e tentando interagir com elas.
– Mas eu me sinto grato.
– Então isso muda tudo. Se você desejar fazer algo por mim, pode me ajudar na exposição de bonsais. No último final de semana de cada mês, abro o galpão para exposição e venda, das oito horas da manhã às oito horas da noite. Nesses dias, eu preciso de ajuda; você será bem-vindo.
            Vitor ficou estarrecido. Takane... que jogada de mestre! Ele pediu que Vitor o pagasse, se quisesse, com sua moeda de troca mais valiosa: seu tempo. Vitor perguntou-se se queria mesmo usar um final de semana inteiro seu com essa atividade, e o quê, afinal, os bonsais estavam representando em sua vida.
            No último final de semana do mês, lá estavam Vitor e Takane, abrindo o galpão e recebendo os visitantes. Vitor ficou muito impressionado consigo mesmo ao responder várias perguntas das quais não sabia que conhecia as respostas. Ao final do domingo, Vitor se sentia cansado, de uma forma diferente da que costumava sentir ao final de um dia de trabalho seu no escritório da agência de publicidade. Ele se sentia feliz por ter sido útil, e nem sempre se sentia assim ao entregar uma campanha publicitária. Eram trabalhos diferentes, como se pertencessem a mundos diferentes.
            Um dia, sentados lado a lado na bancada, cada um cultivando o seu bonsai, Vitor contou à Takane:
– Acabo de saber que vou ser pai.
– Como se sente?
– Assustado.
Takane disse, depois de alguns minutos:
– Criar filhos não é muito diferente de cultivar bonsais. A árvore tem uma força de crescimento própria, que você, como cultivador, tenta orientar, adubando as aptidões e podando o que considera maus instintos. O desafio é estar presente e atento, observar cada ramo e cada folha, saciar as necessidades na medida em que apareçam, dando somente o suficiente, na hora certa.
            Vitor nunca tinha ouvido Takane falar uma frase tão longa. Ele sabia que o amigo tinha dois filhos, que ajudavam também nos finais de semana da exposição. Aquele seu conselho de experiência vivida acalmou o seu coração.
            Vitor mudou-se de apartamento, estava arrumando a vida para receber a filha que chegaria em alguns meses. Sua agora esposa lhe sugeriu dar o novo endereço a Takane e lhe convidar para os visitar. Vitor chateou-se consigo mesmo por não ter pensado nisso antes, mas quando deu o endereço anotado para Takane, ressaltou que ele poderia vir quando quisesse.
            Takane sorriu, guardou o papel no bolso. Enquanto cultivavam seus bonsais, naquele mesmo dia, Takane fez uma pergunta a Vitor:
– Posso lhe pedir, bom amigo, que me ensine a fazer uma coisa?
            Vitor arregalou os olhos assustado com a pergunta, sem saber o que ele poderia saber fazer que o amigo quisesse aprender. Takane completou sua pergunta:
– Eu gostaria que me ensinasse a fazer caipirinha.
            Vitor deu uma risada gostosa e abraçou o amigo brevemente, para desconcerto total de Takane. Mas Vitor, bom brasileiro, não podia perder a chance de imitar o amigo:
– Não vou ensiná-lo. Vamos fazer juntos, você é que vai aprender.
            Em um dia à noite, na mesma semana, Takane bateria à porta do apartamento de Vitor, acenaria com a cabeça e entraria. Vitor nem pestanejou em interromper o trabalho que fazia no computador e ir com o amigo para a cozinha, fazer caipirinha.
            Enquanto trabalhavam, Takane tentou puxar um assunto: ele estudara, antes de vir, alguns nomes usados como sinônimo de cachaça no Brasil. Eles se divertiam relembrando nomes como “água que passarinho não bebe”, “marvada”, “branquinha” e outros, tão sugestivos quanto. Feita a caipirinha, foram saboreá-la na varanda.
            Depois que Takane foi embora, a esposa de Vitor comentou que foi muito estranho vê-los na varanda, tomando caipirinha em silêncio. Vitor pensou, com muita satisfação, que o silêncio não o incomodava mais. Esse ritual da caipirinha se repetiria muitas outras vezes, com grande satisfação para ambos.
            No galpão de Takane, enquanto cultivavam seus bonsais, Vitor perguntaria um dia ao amigo:
– Quando meu bonsai poderá ser considerado pronto?
            Takane riu:
– Nunca, Vitor; bonsais são vivos, não estão prontos nunca. Não são como caipirinha, que se aprende em um dia. Se você quer um novo desafio, podemos começar a trabalhar em outra muda. Você vai ver como algo que parece igual pode ser muito diferente.
            A filha de Vitor nasceu, começou a andar, começou a falar e foi para a escola. Nos finais de semana da exposição, a filha e a esposa de Vitor o visitavam no galpão e conversavam um pouco com os filhos e a esposa de Takane.
            Numa viagem de trabalho, nessa época, Vitor estava participando de dinâmicas de grupo com os colegas do escritório. Na entrevista com a psicóloga, pleiteando subir de cargo, ela se mostrou agradavelmente surpresa com o que chamou de hobby de Vitor. Vitor respondeu-lhe que era muito mais do que isso. Custava muito caro, custava o seu tempo.
            A amizade, já tão longa, via os bonsais iniciais tomarem formas, e outras árvores se juntaram às primeiras, invendíveis. Vitor contou a Takane que seria pai outra vez.
 Takane de novo perguntou:
– Como se sente?
E Vitor respondeu:

– Imensamente feliz. Posso cuidar de mais de um bonsai de cada vez.